Acompanho com interesse as crónicas de António Pinto Ribeiro no suplemento Y do Público, sempre sobre política cultural: qualidade garantida de um experiente e excelente programador cultural. Do texto desta semana retiro este parágrafo, aconselhando a todos a leitura total: "Hoje, algo de impreciso mas que se impôs como urgente fez-me regressar à leitura de As Vinhas da Ira. Ao acabar de o ler, algo de profundamente inquietante habita as semelhanças: onde dantes os bancos se apropriavam das terras e das casas, hoje apropriam-se dos apartamentos de gente que não consegue pagar o empréstimo e a hipoteca; o número de despedidos aumenta diariamente e já não das terras, que há muito não têm lavoura quase nenhuma, mas das fábricas, das escolas, de empresas de serviços. Há já famílias que começaram a sua caminhada para o interior, onde o que restará de uma terra pode ser a hipóteses de sobrevivência, ou então que emigraram para el dorados - como se vislumbrassem a Califórnia - que agora se chamam Brasil, Angola, Moçambique, Chile, México. São 800 mil desempregados em Portugal, quatro milhões em Espanha, um milhão e cem mil na Grécia. O cenário não tem a espectacularidade de As Vinhas da Ira; a estrada 66, a do êxodo, foi substituída por auto-estradas menos poeirentas. As pessoas não caminham andrajosas, mas sabemos que se vestem com as mesmas roupas dias seguidos e que as refeições que tomam não permitem nem descrições literárias nem as imagens focadas da película. mas, muitas vezes, já são apenas duas por dia para toda a família. Acabo de ler o romance e constato que, para muitos, houve um retrocesso civilizacional; e que não há literatura que o salve. É aqui que surge a impotência da cultura literária - e o desejo de que As vinhas da Ira fossem apenas ficção, então como agora. E o desejo de que aqueles que podem alterar isto lessem este e outros romances, tomassem consciência, agissem como protagonistas da História, alterassem o estado de sítio".
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