quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Ary dos Santos: 33 anos

Estrela da Tarde

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia 
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia 
Era tarde, tão tarde, que a boca tardando-lhe o beijo morria. 
Quando à boca da noite surgiste na tarde qual rosa tardia 
Quando nós nos olhámos, tardámos no beijo que a boca pedia 
E na tarde ficámos, unidos, ardendo na luz que morria 
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia 
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia. 


       Meu amor, meu amor 
       Minha estrela da tarde 
       Que o luar te amanheça 
       E o meu corpo te guarde. 
       Meu amor, meu amor 
       Eu não tenho a certeza 
       Se tu és a alegria 
       Ou se és a tristeza. 
       Meu amor, meu amor 
       Eu não tenho a certeza! 

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram 
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram 
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram 
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram. 
Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram 
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam 
Era a noite mais clara daqueles que à noite se deram 
E entre os braços da noite, de tanto se amarem, vivendo morreram. 

       Meu amor, meu amor 
       Minha estrela da tarde 
       Que o luar te amanheça 
       E o meu corpo te guarde. 
       Meu amor, meu amor 
       Eu não tenho a certeza 
       Se tu és a alegria 
       Ou se és a tristeza. 
       Meu amor, meu amor 
       Eu não tenho a certeza! 

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso se é pranto 
É por ti que adormeço e acordado recordo no canto 
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto 
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto 
Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto! 

Ary dos Santos, in 'As Palavras das Cantigas' 

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