"Oito homens são mais ricos como a metade mais pobre da população mundial", este é o título a que não se tem dado muita atenção mas que ajuda a explicar certos fenómenos sociais, como o terrorismo, o êxodo africano para a Europa e outros países menos falados por cá. O trecho seguinte é uma visão sobre este problema colocada por Thomas
Hylland Eriksen, cuja leitura do texto integral aconselho, vem na Etnográfica volume 20 (1) 2016:
"Contudo, as mudanças aceleradas estão por todo o lado. Somos
mais, e cada um de nós está, tendencialmente, com maior mobilidade e mais
ativo, e tem mais conexões com outros – está ligado a mais redes – do que
alguma vez aconteceu no passado. Épocas pretéritas foram, sem exceção, tempos
lentos para a maioria da humanidade. Neste sentido, vivemos, presentemente, num
planeta sobreaquecido.1 Na física, calor (aquecimento) é simplesmente sinónimo
de velocidade (aumento da velocidade). Traduzido para a linguagem das ciências
sociais, sobreaquecimento (aumento da velocidade) remete-nos para alteração
acelerada. Aliás, há já muito tempo estamos conscientes de que as alterações
provocadas pela modernidade têm consequências rápidas e inesperadas, muitas
vezes até paradoxais. E, como sabemos, quando os processos de mudança aceleram,
também os efeitos secundários não intencionais aceleram.
Respostas sobreaquecidas – reações locais às alterações
aceleradas – podem ser observadas em quase todo o mundo, mas em âmbitos
diferentes e expressas de modos também diferenciados, tantos quantas as
variações das circunstâncias locais, sejam elas materiais, sociais ou
culturais. Normalmente, as pessoas percebem que alguma mudança está a ocorrer a
grande velocidade algures. Contudo, elas podem pensar “ninguém pediu a minha
opinião”, acrescentando: “Quem devo eu culpar, em quem devo eu confiar, e que
posso eu fazer?” Numa situação de sobreaquecimento, esta é uma reação
paradigmática. Neste sentido, uma tarefa óbvia para os cientistas sociais
consiste em explorar como funcionam localmente os modos de atribuição de culpa,
o que, manifestamente, configura um tipo de investigação com implicações
políticas óbvias. Por exemplo, é muito diferente saber se as pessoas culpam /
confiam num “quem” ou num “o quê”, ou seja, numa pessoa ou numa estrutura ou
instituição. Também é muito diferente saber se elas podem culpar uma entidade
local ou doméstica – pessoa ou instituição –, ou se a culpa dos seus problemas
é exógena e distante. Nas terras altas da Serra Leoa, quando alterações
inesperadas acontecem – digamos, uma enorme plantação de biofuel aparece
subitamente do outro lado do rio –, as pessoas podem encolher os ombros e dizer
“é a globalização”. O trabalho das ciências sociais consiste em desmontar esta
expressão, descobrindo o que querem os locais dizer com “globalização”, e como
isso se relaciona quer com as suas mundivisões, tanto em termos literais como
figurativos, quer com as suas experiências e perspetivas de vida. Se, por exemplo,
a falta de água numa aldeia dos Andes pode ser atribuída a uma companhia
mineira vizinha, esta pode ser considerada responsável. Mas se a causa não pode
ser atribuída ao uso de recursos pela companhia mineira, mas antes às
alterações climáticas globais, é muito mais difícil para os locais saber o que
fazer. Eles podem mesmo começar a procurar um bode expiatório local. Uma
característica comum do sobreaquecimento é a falta de previsibilidade. Parece
não haver um guião para orientar a humanidade para a próxima etapa destes
tempos modernos. Não há uma narrativa hegemónica dizendo-nos para onde
caminhamos. Este é um século em que será pedido à humanidade, coletiva e
localmente, para reconstruir a nave em que seguimos, de forma a evitar a
destruição do mundo tal como o conhecemos. Neste enquadramento, o significante
mais premente é o das alterações climáticas, mas é necessário e urgente
compreendê-lo em contexto e na sua totalidade." in Sobreaquecimento: pequenos lugares e grandes questões na
antropologia do século XXI
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