quinta-feira, 18 de junho de 2015

Algo que serve para conversas em que tenho participado

«Abro com duas citações de Aristóteles, ambas extraídas de Política. A primeira delas, curta, sintética, diz-nos que “em democracia, os pobres são soberanos, com exclusão dos ricos, porque são eles o maior número, e porque a vontade da maioria é lei”. A segunda, que, começando por anunciar uma restrição ao alcance da primeira, não só, afinal de contas, a alarga e completa, como a si própria praticamente se alcandora à altura de um axioma, esse princípio que, por evidente, não requer, para convencer, o esforço de uma demonstração. Eis o que nos diz a citação segunda: “A igualdade (no Estado) pede que os pobres não tenham mais poder que os ricos, que não sejam eles os únicos soberanos, mas que o sejam todos na proporção do número existente de uns e outros. Este parece ser o meio de garantir ao Estado, eficazmente, a igualdade e a liberdade”. Se não estou demasiado equivocado na interpretação desta passagem, o que Aristóteles nos está a dizer aqui é que os cidadãos ricos, embora participando, com toda a legitimidade democrática, no governo da polis, sempre estariam em minoria nele, pelo simples efeito de uma proporcionalidade imperativa e incontestável.»
 
José Saramago, no Expresso (sublinhados meus)

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