sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Federico Garcia Lorca

Tenho Medo de Perder a Maravilha



Tenho medo de perder a maravilha 

de teus olhos de estátua e aquele acento 
que de noite me imprime em plena face 
de teu alento a solitária rosa. 

Tenho pena de ser nesta ribeira 
tronco sem ramos; e o que mais eu sinto 
é não ter a flor, polpa, ou argila 
para o gusano do meu sofrimento. 

Se és o tesouro meu que oculto tenho 
se és minha cruz e minha dor molhada, 
se de teu senhorio sou o cão, 

não me deixes perder o que ganhei 
e as águas decora de teu rio 
com as folhas do meu outono esquivo. 

Federico García Lorca, in 'Poemas Esparsos' 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Um décimo da riqueza europeia para salvar bancos ...

... e os banqueiros, pelo menos em Portugal, a aumentar as comissões para garantir as verbas que não conseguem pela quebra nos empréstimos à habitação. Eles são os verdadeiros mandantes . E as pessoas?

domingo, 26 de janeiro de 2014

Jorge de Sena

Cantar do Amigo Perfeito



Passado o mar, passado o mundo, em longes praias, 

de areia e ténues vagas, como esta 
em que haverá de nossos passos a memória 
embora soterrada pela areia nova, 
e em que sobre as muralhas quanta sombra 
na pedra carcomida guarda que passámos, 
em longes praias, outras nuvens, outras vozes, 
ainda recordas esta, ó meu amigo? 

Aqui passeámos tanta vez, por entre os corpos 
da alheia juventude, impudica ou severa, 
esplêndida ou sem graça, à venda ou pronta a dar-se, 
ido na brisa o sol às mais sombrias curvas; 
e o meu e o teu olhar guiando-se leais, 
de nós um para o outro conquistando 
- em longes praias, outras nuvens, outras vozes, 
ainda recordas, diz, ó meu amigo? 

Também aqui relembro as ruas tenebrosas, 
de vulto em vulto percorridas, lado a lado, 
numa nudez sem espírito, confiança 
tranquila e áspera, animal e tácita, 
já menos que amizade, mas diversa 
da suspeição do amor, tão cauta e delicada 
- em longes praias, outras nuvens, outras vozes, 
ainda as recordas, diz, ó meu amigo? 

Também aqui, sorrindo em branda mágoa, 
desfiámos, sem palavras castamente cruas, 
não já sequer os íntimos segredos 
que o próprio amor, porque ama, não confessa, 
nem a vaidade humana dos sentidos, mas 
subtis fraquezas vis, ingénuas e secretas 
- em longes praias, outras nuvens, outras vozes, 
ainda recordas, diz, ó amigo? 


Partiste e foi contigo a juventude. 
Ficou o silêncio adulto, pensativo e pródigo, 
e o terror de não ser minha estátua jacente 
sobre o túmulo frio onde as cinzas da infância 
desmentem - palpitar de traiçoeira fénix! - 
que só do amor ou só da terra haja saudade. 
Em longes praias, outras nuvens, outras vozes, 
tu sabes que a levaste, ó meu amigo? 

Jorge de Sena, in 'Pedra Filosofal'

Um vergonhoso telejornal público

Portugal não existe para o telejornal da RTP. Passados 17 minutos das 20 horas, a maioria foi dedicada ao futebol, da liga portuguesa e do resultado do Chelsea. Entregou agora na situação da Ucrânia, na campanha da oposição.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Crescer para baixo

Jerónimo de Sousa critica o optimismo do governo e afirma que o País está a crescer para baixo. Aliás, tanto decrescemos que algum dia havemos de subir, pode é já não sobrar nada. 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Pablo Neruda

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
Pablo Neruda

O défice português: uma outra leitura

O registo de valores do défice inferiores ao acordado com a troika pode também ter a leitura de que a folga poderia ser utilizada para melhorar a vida das famílias e injetar mais dinheiro na economia. Este governo não pensa nas pessoas e os sinais para euforias são curtos.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Rainer Maria Rilke

Infância



Passa lento o tempo da escola e a 
sua angústia 
com esperas, com infinitas e 
monótonas matérias. 
Oh solidão, oh perda de tempo tão pesada... 
E então, à saída, as ruas cintilam e ressoam 
e nas praças as fontes jorram, 
e nos jardins é tão vasto o mundo —. 
E atravessar tudo isto em calções, 
diferente de como os outros vão e foram —: 
Oh tempo estranho, oh perda de tempo, 
oh solidão. 

E olhar tudo isto à distância: 
homens e mulheres; homens, homens, mulheres 
e crianças, tão diferentes e coloridas —; 
e então uma casa, e de vez em quando um cão 
e o medo surdo trocando-se pela confiança: 
Oh tristeza sem sentido, oh sonho, oh medo, 
Oh infindável abismo. 

E então jogar: à bola e ao arco, 
num jardim que manso se desvanece 
e por vezes tropeçar nos crescidos, 
cego e embrutecido na pressa de correr e agarrar, 
mas ao entardecer, com pequenos passos tímidos, 
voltar silencioso a casa, a mão agarrada com força —: 
Oh compreensão cada vez mais fugaz, 
Oh angústia, oh fardo! 

E longas horas, junto ao grande tanque cinzento, 
ajoelhar-se com um barquinho à vela; 
esquecê-lo, porque com iguais 
e mais lindas velas outros ainda percorrem os círculos, 
e ter de pensar no pequeno rosto 
pálido que no tanque parecia afogar-se — : 
oh infância, oh fugazes semelhanças. 
Para onde? Para onde? 

Rainer Maria Rilke, in "O Livro das Imagens" 
Tradução de Maria João Costa Pereira

domingo, 19 de janeiro de 2014

Ilda Maria lança novo trabalho

Excelente tarde a de ontem, no Auditório Municipal em Grândola, por ocasião da apresentação do mais recente trabalho da acordeonista Ilda Maria, numa organização da Associação Vozes de Grândola. Sala cheia, grandes músicos, alguns antigos alunos, e uma dedicada retrospectiva com depoimentos preparada pela Junta de Freguesia. A qualidade musical da autora encheu a sala, construindo uma outra perspectiva de abordar o acordeão.


Ary

O Poema Original



Original é o poeta 

que se origina a si mesmo 
que numa sílaba é seta
noutra pasmo ou cataclismo 
o que se atira ao poema 
como se fosse ao abismo 
e faz um filho às palavras 
na cama do romantismo. 
Original é o poeta 
capaz de escrever em sismo. 

Original é o poeta 
de origem clara e comum 
que sendo de toda a parte 
não é de lugar algum. 
O que gera a própria arte 
na força de ser só um 
por todos a quem a sorte 
faz devorar em jejum. 
Original é o poeta 
que de todos for só um. 

Original é o poeta 
expulso do paraíso 
por saber compreender 
o que é o choro e o riso; 
aquele que desce à rua 
bebe copos    quebra nozes 
e ferra em quem tem juízo 
versos brancos e ferozes. 
Original é o poeta 
que é gato de sete vozes. 

Original é o poeta 
que chega ao despudor 
de escrever todos os dias 
como se fizesse amor. 

Esse que despe a poesia 
como se fosse mulher 
e nela emprenha a alegria 
de ser um homem qualquer. 

Ary dos Santos, in 'Resumo'

sábado, 18 de janeiro de 2014

Sobre o Museu Regional de Beja

A solução apontada pelo actual Presidente da Assembleia Distrital de Beja, Santiago Macias, parece-me a melhor e deveria ser adoptada face ao historial recente em torno, principalmente, da instituição Museu Regional de Beja, cujo valor imaterial ligado às Cartas Portuguesas poderá ser determinante em termos de actividade futura. Os problemas e indefinições em torno do museu, como outras instituições de carácter regional (a Assembleia Distrital de Setúbal está com o mesmo problema), são representativos da pouco visão política regional que tem vigorado. O nosso quintal é sempre mais bonito que o do vizinho.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Yahoo despede português ...

... com indemnização milionária. Não será ele um dos defensores, como há muitos por cá, de colocar como razão de despedimento a inadaptação e o incumprimento de objectivos?

Moura Fórum 21

Pormenores aqui e aqui.

Sophia pelo Panteão e os 40 anos da revolução de Abril

25 DE ABRIL

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Espanha e Itália financiam-se a juros baixos

Como dizia o outro é só fazer as contas para ver a diferença entre o financiamento português, o espanhol, o italiano e o irlandês. Ao contrário do que diz o governo as condições ainda estão muito longe de estarem regularizadas. E o caso BPN no enorme silêncio ...

domingo, 12 de janeiro de 2014

Al Berto

Mais Nada se Move em Cima do Papel



mais nada se move em cima do papel 

nenhum olho de tinta iridescente pressagia 
o destino deste corpo 

os dedos cintilam no húmus da terra 
e eu 
indiferente à sonolência da língua 
ouço o eco do amor há muito soterrado 

encosto a cabeça na luz e tudo esqueço 
no interior desta ânfora alucinada 

desço com a lentidão ruiva das feras 
ao nervo onde a boca procura o sul 
e os lugares dantes povoados 
ah meu amigo 
demoraste tanto a voltar dessa viagem 

o mar subiu ao degrau das manhãs idosas 
inundou o corpo quebrado pela serena desilusão 

assim me habituei a morrer sem ti 
com uma esferográfica cravada no coração 

Al Berto, “O Medo

Benfica vence o Porto

A "verdadeira" homenagem a Eusébio foi feita esta tarde no Estádio da Luz.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

domingo, 5 de janeiro de 2014

Na hora da morte de Eusébio

Sou benfiquista e por isso reconhecido a Eusébio. Para sempre. Dito isto, a overdose televisiva sobre a sua morte é manifestamente exagerada e, não tenho dúvidas, juntamente com a ridícula e oportunista condecoração presidencial a Cristiano Ronaldo será um forte aliado das políticas do governo. É preciso não perder a memória.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Governo continua a atirar-se aos mesmos de sempre

Acerca das soluções do governo para se vingar dos portugueses pelas decisões do Tribunal Constitucional, na Barbearia do senhor Luís bem retratadas, e sobre a coerência de um senhor chamado Portas e todos os deputados do CDS, veio me à memória o poema que Natália Correia fez no Parlamento no debate sobre a legalização do aborto, em Abril de 1982, dirigido ao deputado centrista João Morgado.


Já que o coito - diz Morgado -
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração! -
uma vez. E se a função
faz o órgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

PS ou os partidos do Governo são o mesmo e só uma política

É Pacheco Pereira quem o diz e não o discurso do PCP.

Imagens de 2014


O ano começa na mesma

Não é estranho que passado tanto tempo, o caso BPN se mantenha imóvel? Estará a justiça portuguesa à espera que termine o mandato de Cavaco? Julgo que este e o dos submarinos são exemplos flagrantes de alguém que estará na escuridão a mexer os cordelinhos para atingir determinados objectivos políticos e económicos.