segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Rainer Maria Rilke

Infância



Passa lento o tempo da escola e a 
sua angústia 
com esperas, com infinitas e 
monótonas matérias. 
Oh solidão, oh perda de tempo tão pesada... 
E então, à saída, as ruas cintilam e ressoam 
e nas praças as fontes jorram, 
e nos jardins é tão vasto o mundo —. 
E atravessar tudo isto em calções, 
diferente de como os outros vão e foram —: 
Oh tempo estranho, oh perda de tempo, 
oh solidão. 

E olhar tudo isto à distância: 
homens e mulheres; homens, homens, mulheres 
e crianças, tão diferentes e coloridas —; 
e então uma casa, e de vez em quando um cão 
e o medo surdo trocando-se pela confiança: 
Oh tristeza sem sentido, oh sonho, oh medo, 
Oh infindável abismo. 

E então jogar: à bola e ao arco, 
num jardim que manso se desvanece 
e por vezes tropeçar nos crescidos, 
cego e embrutecido na pressa de correr e agarrar, 
mas ao entardecer, com pequenos passos tímidos, 
voltar silencioso a casa, a mão agarrada com força —: 
Oh compreensão cada vez mais fugaz, 
Oh angústia, oh fardo! 

E longas horas, junto ao grande tanque cinzento, 
ajoelhar-se com um barquinho à vela; 
esquecê-lo, porque com iguais 
e mais lindas velas outros ainda percorrem os círculos, 
e ter de pensar no pequeno rosto 
pálido que no tanque parecia afogar-se — : 
oh infância, oh fugazes semelhanças. 
Para onde? Para onde? 

Rainer Maria Rilke, in "O Livro das Imagens" 
Tradução de Maria João Costa Pereira

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