quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ana Maria

Ana Maria... Ana Maria, chamava ele, num tom algo desesperado. Noite, luminosa de lua cheia. Idoso, na casa dos setenta, já muito próximo dos oitenta. O nome para o caso não importa. O seu chamamento indiciava que após o jantar havia dormido, aquele momento reconfortante, e quando acordou, Ana Maria, companheira de muitos anos,estava ausente.

Ana Maria... Ana Maria, continuava ele e, suportado na sua bengala, cada vez mais desorientado, partiu à procura.

Voltou e partiu outra vez. Completamente à deriva.

Ana Maria ... Ana Maria.

Ana Maria chegou, da sua rotina diária. Não havia qualquer novidade na sua ausência.

Ana Maria... Ana Maria, chamou a vizinha. O seu marido foi por aí abaixo em sua procura, sem saber para onde ia.

Lá foi, Ana Maria, por aí abaixo.

Voltou, a segurar o marido. A bengala já não era suficiente para suportar o cansaço, potenciado por debilitados pulmões bomba de aspiração de inúmeros cigarros, e o seu corpo enorme.

Que disparate o teu, dizia Ana Maria. Volta aqui à esquerda.

Para onde é? perguntava ele no seu desespero, já não aguento mais, vou cair, e o seu corpo, pesado, baixou à estrada. Devagar, felizmente, com as forças que ainda lhe restavam para se fazer cair suavemente.

Para Ana Maria, depois de ajudada no apoio ao marido, este episódio foi mais um numa relação de anos. Muitos. E a interrogação para o futuro que também já se apoia numa bengala.


Nenhum comentário: